Por: Walter Brito
A
democracia permitiu enormes avanços da humanidade e teve diferentes
significados em cada período pelos quais passamos no Brasil e no planeta Terra,
desde a nossa existência como nação e os primórdios da existência humana.
Partindo da premissa de que o poder é a vontade do povo, lembramos que à medida
em que o planeta se transforma, naturalmente, os humanos mudam os seus
conceitos. Desta forma, as regras do jogo foram modificadas ao longo de nossa
existência e a democracia teve papel fundamental.
Diversos
momentos da história com marcas fortes precisam ser ressaltados nesta matéria
antes de irmos ao dia D, que foi a primeira eleição após a ditadura militar no
Brasil, ocorrida em 15 de novembro de 1989, culminando com a eleição de
Fernando Collor de Mello para presidente.
Momento em que o ex-presidente José Sarney passa a faixa presidencial para Fernando Collor de Mello |
A QUEDA DA BASTILHA
Lembremos
pois, a Queda da Bastilha, ocorrida no dia 14 de julho de 1789, ocasião em que
foi derrubada a prisão-fortaleza – Bastilha, pelo povo parisiense. A referida
prisão, por um longo período, subjugou o povo francês e simbolizou o
absolutismo e a arbitrariedade da justiça, que prendia intelectuais e nobres
que discordavam do regime, à época sob o comando do Rei Luiz XVI. A Queda da
Bastilha foi, sem dúvidas, a base para a declaração universal dos direitos
humanos.
MARTIN LUTHER KING E OS
DIREIT0S CIVIS NOS EUA
Outro
avanço da democracia teve início com a marcha sobre Washington nos EUA,
ocorrida no dia 28 de agosto de 1963 sob o comando do líder negro Martin Luther
King. Na ocasião, o pastor e pacifista afro-americano reuniu 250 mil pessoas
para clamar, discursar, orar e cantar por melhores dias para a comunidade
negra. Foi um clamor por justiça social, liberdade, trabalho e pelo fim da
segregação racial contra a população negra do país mais poderoso do mundo.
Vale
lembrar que a histórica manifestação foi composta por 80% de negros e 20% de
brancos que abraçaram a causa sob a liderança de King. O seu discurso
intitulado, “Eu tenho um sonho”, proferido naquele dia de lutas, conquistas e
vitórias do povo negro, ficou marcado pelo trecho em que Martin Luther King
bradou em alto e bom som: “Eu tenho um sonho. O sonho de ver meus filhos
julgados por sua personalidade, não pela cor de sua pele”. O presidente dos
Estados Unidos da América à época, Lyndon Johnson, assinou a Lei dos Direitos
Civis no dia 2 de julho de 1964. A data coincide com o Dia da Bahia em nosso
país.
QUEDA DO MURO DE BERLIM
O
país mais poderoso do continente europeu, a Alemanha, passou por muitas
transformações e teve seus reveses e avanços, entre os quais destacamos a Queda
do Muro de Berlim, que separou milhares de famílias na fatídica noite de 13 de
agosto de 1961, quando milhares de cães de guarda foram soltos nas 255 pistas
que separavam as duas Alemanhas: Ocidental e Oriental. A cidade de Berlim
dividiu também o mundo em dois blocos: Berlim Ocidental, capital da República
Federal da Alemanha (RFA), constituída pelos países capitalistas e encabeçados
pelos Estados Unidos da América; do outro lado ficou Berlim Oriental, capital
da República Democrática Alemã (RDA), constituída pelos países socialistas sob
o domínio soviético. Para o avanço da democracia e do mundo, os 66,5 km de
gradeamento metálico, 302 torres de observação e as 127 redes metálicas
eletrificadas tiveram fim no dia no dia 9 de novembro de 1989 e passou para a
história como data da Queda do Muro de Berlim e permitiu que milhares de
famílias se reencontrassem depois de quase três décadas separados pela força
bruta.
CONSTITUIÇÃO DE 1988
Ulisses Guimarães entrega aos brasileiros a Constituição de 1988 |
Eis
que, em 1988 no Brasil, o timoneiro Ulisses Guimarães, entrega ao povo uma nova
Constituição, com o fim da censura aos veículos de comunicação; implantação do
Sistema Único de Saúde (SUS) em todo o território nacional; garantia das terras
indígenas; garantias de leis de proteção do meio ambiente; instituição de
eleições diretas em dois turnos, caso nenhum candidato consiga maioria dos
votos válidos no primeiro; maior autonomia dos municípios.
22 CANDIDATOS PARA PRESIDENTE
EM 1989!
A
juventude do Brasil respirava novos ares e inspirados pelo jovem deputado de
Mato-Grosso, Dante de Oliveira, autor da Emenda das Diretas Já, o povo foi para
as ruas em Curitiba no dia 12 de janeiro de 1984, quando o deputado Dante de
Oliveira aos 32 anos de idade, ao lado de dez governadores de oposição exigiram
eleições diretas para presidente da República. A partir daí o povo brasileiro
encheu as ruas de nosso país em diversos comícios das Diretas Já e, em 15 de
novembro de 1989, 22 brasileiros disputaram pela primeira vez o pleito por meio
do voto popular depois do regime militar.
Foram
os seguintes, os candidatos e candidatas para presidente do Brasil e suas
respectivas votações e percentuais no primeiro turno: Fernando Collor de Mello
(PRN) - 20 611 011 votos e 30,47%; Luiz Inácio Lula da Silva (PT) - 11
622 673 votos e 17,18%; Leonel de Moura Brizola (PDT) - 11 168 228 votos e
16,51%; Mário Covas (PSDB) - 7 790 392 e 11,52%; Paulo Salim Maluf (PDS) – 5
986 575 votos e 8,85%; Guilherme Afif Domingos - (PL) - 3 272 462
votos e 4,83%; Ulisses Guimarães - (PMDB) - 3 204 932 votos
e 4,73%; Roberto Freire - (PCB) – 769 123 votos e 1,13%;
Aureliano Chaves - (PFL) – 600 838 votos e 0,88%; Ronaldo Caiado -
(PDN) 488 846 votos e 0,72%; Afonso Camargo Neto - (PTB) – 379 286 votos e
0,56%; Enéas Carneiro – (PRONA) – 360 561 votos e 0,53%; José Marronzinho
- (PSP) – 238 425 votos e 0,33%; Paulo Gontijo – (PP) – 198 719 votos e
0,29%; Zamir José Teixeira – (PCN) – 187 155 votos e 0,27%; Lívia Maria Pio –
(PN) – 179 922 votos e 0,26%; Eudes Oliveira Matar - (PLP) – 162 350 votos e
0,24%; Fernando Gabeira - (PV) - 125 842 votos e 0,18%; Celso Brant
- (PMN) - 109 909 votos e 0,16%; Antônio dos Santos
Pedreira - (PPB) - 86 114 votos e 0,12%; Manoel de Oliveira
Horta - (PDCdoB) – 83 286 votos e 0,12%; Armando Corrêa - (PMB)
- 4 363 votos e 0,01%; Sílvio Santos - (PMB) – 0 voto e
0,00% – candidatura indeferida. Total de votos válidos – 67 631 012 votos e
93,57%; votos em branco - 1 176 413 votos e 1,63%; votos nulos - 3
473 484 votos e 4,81%. Total de votos – 72 280 909 e 88,07%.
ANÁLISE DA DISPUTA QUE
ELEGEU COLOR PRESIDENTE
Como
se vê, foi de fato uma eleição bastante disputada. É sem dúvidas um dos mais
importantes embates eleitorais de nossa história política. O debate foi
altamente enriquecido com a presença de pesos tão importantes e caros da
política brasileira, tal como o timoneiro Ulisses Guimarães, que teve como seu
vice o baiano exemplar Waldir Pires, ex-governador da Bahia e três vezes
ministro de Estado, cuja trajetória sempre orgulhou os brasileiros de todos os
rincões.
O velho caudilho Leonel de Moura
Brizola naquelas eleições foi um show à parte nos novos ares de nossa democracia.
Único político brasileiro que governou dois estados diferentes: o seu Rio
Grande do Sul e o Rio de Janeiro, onde foi governador por dois mandatos.
Lembrando ainda que Brizola obteve um terço dos votos para deputado federal no Estado
da Guanabara em 1962, o mais votado de todos os tempos proporcionalmente.
Gaúcho arrojado e da palavra fácil, Brizola não usava teleprompter para gravar
seus programas de rádio e televisão e fazia tudo no improviso, no mesmo estilo
usado para massacrar sem dó e sem piedade os seus mais ferrenhos adversários,
nos debates ou em suas polêmicas entrevistas e pronunciamentos.
COVAS ENTROU NA DISPUTA COMO
VENCEDOR!
Mário
Covas, força moral de um tempo em que o fio do bigode ainda tinha valor, no
início da campanha era considerado imbatível pela maioria dos cientistas
políticos nacionais e estrangeiros. Outro nome considerável na disputa foi Afif
Domingos, que com o discurso da modernidade na economia e seu carisma de jovem
elegante e bem-sucedido, de voz macia e firme, encantava milhares de
brasileiras e brasileiros de forma crescente, o que balançou, e muito, os
bastidores daquela acirrada disputa, deixando sem sono os líderes das
pesquisas.
Personagem
obrigatória naquele pleito foi a do ex-governador de São Paulo, Paulo Salim
Maluf. Embora querido por paulistas e paulistanos naquele pedaço de nossa luta
democrática, Maluf, que venceu Mário Andreazza no primeiro turno da eleição
indireta realizada pelo Colégio Eleitoral em 1984, foi flagrantemente derrotado
por Tancredo Neves no segundo turno, quando perdeu o encanto e o protagonismo
que lhe eram peculiar. Chegou enfraquecido para a disputa de 1989, mas ainda
com sua verve afiada atacando adversários que cruzassem o seu caminho.
A ESPERANÇA DO POVO
BRASILEIRO DERROTOU OS CACIQUES!
O Collor confiante mostra V da vitória |
Collor arregaça as mangas da camisa e joga duro |
Quando
a campanha já pegava fogo e a todo o vapor, os seus conterrâneos nordestinos o
aplaudiam de comício em comício e muitas vezes, junto com o candidato, o
pregoeiro da fé no Nordeste, o Frei Damião, que mostrava de forma estratégica e
subliminar o lado fervoroso do candidato. O apelo do jovem candidato caçador
de marajás, complementou-se com o discurso vibrante relacionado aos
descamisados, pés-descalços e desdentados, que representavam a maioria da
população. Foi de fato o tiro certo de quem tinha apenas uma bala.
Tudo
indicava na subida rápida e constante de Fernando Collor nas pesquisas, que o
povo separou a crença no fio do bigode e a esperança que renascia e mexia com
brasileiros de todas as camadas sociais e de todos os rincões, privilegiando a
última.
Certamente, naquele momento da
campanha, Mário Covas estava a refletir, pois perdia votos generosos em São
Paulo para o jovem governador que ele preteriu como vice, por pertencer a um
estado inexpressivo e sem tradição na disputa pelo comando da nação. Quando
recebeu o não do poderoso governador paulista, o audacioso alagoano Fernando
respondeu na lata: “Esteja certo, governador Covas, que o enfrentarei nas urnas
e mostrarei o tamanho do Estado de Alagoas”. São informações dos bastidores da
campanha que somente pessoas como Cleto Falcão, Renan Calheiros e Cláudio
Humberto sabiam. O papel de conciliador nacional de Covas não colou e logo ele
foi percebendo que estava sendo trocado pela mudança renovadora proposta.
Os
números das pesquisas variavam constantemente e a favor da candidatura de
Collor na reta final do primeiro e segundo turnos. Neste último, migravam votos
de todo o centro-direita, ou seja, os votos de Maluf, Afif, Covas e até dos
eleitores do PMDB que não viram o Senhor Diretas decolar.
Enquanto
isso, o velho caudilho brigava ferozmente na busca dos votos de ideologia
progressista com Lula pela segunda vaga no segundo turno, principalmente em
Minas Gerais. Alguns empresários poderosos do país lustraram seus tanques
de guerra e se posicionaram nas trincheiras de Minas, quando jogaram a favor do
candidato do PT, pois temiam a vitória de Brizola no segundo turno. Lula levou
a melhor, numa disputa inusitada! O líder sindicalista, que parou o ABC
paulista naquele ano, estava confiante em sua revolução popular pensada pelo
estrategista José Dirceu, embora o próprio mentor do PT soubesse que o
preconceito calava fundo no coração das elites que não aceitavam um trabalhador
com pouca escolaridade na direção de um país conservador e de dimensões
continentais como nosso, além de ser dono da oitava economia do planeta.
No
dia 15 de novembro de 1989 as urnas foram abertas e Collor obteve 20 611 011
votos, correspondentes a 30,47% do eleitorado, enquanto que Lula ficou em
segundo lugar com 11 622 673 votos e um percentual de 17,18%. Lula obteve 454
445 votos a mais que Brizola, cujo percentual foi de 0,67%. Mário Covas e Paulo
Maluf ficaram em quarto e quinto lugares respectivamente.
Naquele
dia histórico para os brasileiros que clamavam por eleições, saímos de um jejum
de 21 anos, ocasião em que cinco generais se revezavam no poder, entre os quais
João Figueiredo, que foi o último e governou por seis longos anos. Figueiredo
foi substituído por José Sarney, vice de Tancredo Neves, eleito pelo colégio
eleitoral formado pelo Congresso Nacional. Tancredo morreu doente antes da
posse.
GOVERNO FERNANDO COLLOR
O
último debate na TV entre Collor e Lula ficou para a história analisar, o que
foi feito com lupas pelo próprio ex-presidente do PT e um dos mais atuantes
deputados federais que a esquerda teve, José Genuíno. Este afirmou com todas as
letras que Lula não foi bem no debate e que Fernando Collor o superou naquele
momento histórico da política brasileira. Fernando Collor obteve 35 089 998
votos, cujo percentual foi de 53,03%, enquanto que Luiz Inácio Lula da Silva
foi votado por 31 076 364 de brasileiros, correspondentes a 46,97%. O pleito
foi realizado no dia 17 de dezembro de 1989.
Collor e o presidente dos EUA George H.W. Bush, antes de tomar posse |
Mandela depois de 27 anos na prisão na África do Sul, é recebido pelo presidente Fernando Collor no Brasil |
Papa João Paulo II é recebido pelo presidente Collor em sua segunda visita ao Brasil |
Fernando
Collor assumiu a presidência da República no dia 15 de março de 1989 e foi apeado
do poder no dia 29 de dezembro de 1992, quando foi substituído por seu vice,
Itamar Franco (PMDB) que governou até dia 1º de janeiro de 1995. O governo
Collor foi marcado por avanços importantes em seus dois anos e meio de
administração. Nessa ocasião, brasileiros de todos os rincões assistiram com
entusiasmo a abertura de mercado que permitiu que trocássemos os nossos
automóveis considerados verdadeiras carroças motorizadas por modelos de alta
tecnologia usados nos países do primeiro mundo.
Os
computadores arcaicos da década de 80 foram substituídos por máquinas de última
geração e conhecemos os celulares que transformaram o cotidiano da maioria,
quase absoluta, de nossas cidadãs e cidadãos. Vale lembrar que o
relatório do Banco Mundial em 2018 mostrou, claramente, diversos avanços
importantes no governo Collor, inclusive afirmou de forma detalhada, que no
início da década de 90, os menos favorecidos de nosso país foram mais
beneficiados que os ricos.
O popular
confisco da poupança, sem dúvidas, é um momento forte, sempre lembrado pela
população, especialmente pelas pessoas de 50 anos de idade ou mais. Por isso,
perguntamos ao ex-presidente em determinada ocasião, como foi sequestrar a
poupança do povo brasileiro. Ele não tergiversou e argumentou de forma
convicta: “Não ouve confisco e nem sequestro do dinheiro do povo brasileiro. O
propósito foi diminuir a liquidez financeira naquele momento de instabilidade.
Prova disso é que no governo de meu sucessor, o Itamar Franco, o Plano Real foi
implantado com sucesso e, caso não tivéssemos tido a coragem de tomar aquela
medida, certamente o Plano Real não teria sido implantado da forma que foi
feito e deu certo! Vale lembrar que todos os brasileiros tiveram seus valores
devolvidos em 12 parcelas e a correção monetária foi feita em melhores
condições que as oferecidas pelo sistema financeiro à época. Ressalto que a
medida atingiu 10% das contas de nosso povo, que recebeu o dinheiro de volta,
conforme prometido quando tomamos aquela medida necessária no momento de grande
crise”, disse Fernando Collor de Mello.
Relembramos que
dos 22 candidatos que participaram da eleição presidencial em 1989, os únicos
que continuam com mandato eletivo são: Fernando Collor de Mello, hoje filiado
ao PROS e senador por Alagoas, com mandato até 2022, e Ronaldo Caiado (DEM),
que exerce mandato de governador em Goiás.
O período pós
redemocratização nestas três décadas acrescentou em nosso destino político a
prisão de dois ex-presidentes, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso
por suspeita de corrupção e condenado a oito anos e dez meses de reclusão, e o
ex-presidente Michel Temer (MDB), acusado de comandar quadrilha que praticou
corrupção e cartel durante a construção de Angra 3. Temer ficou detido a
primeira vez por quatro dias e na segunda por cinco dias. Temer substituiu
Dilma Rousseff, afastada por impeachment, cujo processo iniciou-se em 2 de
dezembro de 2015 e o afastamento definitivo se deu no dia 31 de agosto de 2016.
O povo é, de
fato e de direito, o guardião da democracia. Os nossos 519 anos de história
mostram diariamente as injustiças cometidas pelos detentores do poder.
Entretanto, a fé e a esperança dos brasileiros continuam inabaláveis e o povo
pronto para ir às ruas na defesa de nossa honra, sempre com foco na liberdade,
igualdade e fraternidade! Avante, Brasil!
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