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E OS MEUS VALORES?



 Por:  Ronald Siqueira Barbosa


Mal acordei pela manhã e o mundo já havia alterado sua rota, mudado a direção e revisto sua condição.  Eu achei que nunca aconteceria ver na minha geração famílias em liberdade, presas em suas casas, governos desesperados emitindo decretos, portarias e outros documentos pensando em achatar uma curva (de Gauss), vendo filhos de seus territórios serem mortos  indefesos e alarmados e pior, sem trabalho. 
 Fui à Igreja, mas estava fechada! Bom, pensei: deve ser a tal fé e ação; ação de obediência civil. A fé continuava intacta. 
Olhei para as escolas e já haviam mudado a forma de ensinar - ensino alternativo!!!
O comércio havia fechado, as ruas vazias, os  bancos em funcionamento restrito, os prazos quase todos antes não prorrogáveis, agora prazos postergados. 
Tudo fora transformado, mas e os meus valores? Será que sofreriam alterações por causa de uma pandemia? 
Mas eu não sabia mais quais eram meus valores, a religião, a pátria, a educação, o conhecimento, a família, o trabalho, a maneira de viver, os amigos, meu time de futebol, meu almoço preferido, o livro que precisava escrever ou comprar, o filme que não poderia deixar de ver, a roupa que sempre sonhei, o carro dos meus sonhos, o imóvel dos meus sonhos, o local para morar dos meus sonhos, espera aí sonhos não são valores, apenas dão sentido à vida, realizam aspirações e completam desejos. 
Então meus valores eram bem poucos, pois dependiam da minha bagagem cultural, da minha bagagem histórica, da minha bagagem política, da minha bagagem religiosa e também da minha memória.  
Liguei para minha mãe, 96 anos, ela me abençoou primeiro e depois me cumprimentou.  Agradeci e vi que ali havia um princípio de valor.   
Abençoar primeiro e depois cumprimentar. Ah! Como as mães ensinam! Mas induzem defeitos também. Deviam ter mais dias das mães no ano. 
Nós os homens, nos omitimos tanto na formação dos filhos, quer seja pelo trabalho, pela displicência, quer seja pela impaciência,  as mulheres mesmo trabalhando conseguem cumprir todos os papeis na educação e formação das crianças. As esposas, enquanto têm energia, acabam assumindo essa ausência e passam a ter reconhecimento eterno dos filhos. 
 Procurei então observar os valores das instituições sejam elas religiosas, militares, educacionais, jurídicas, de comunicação, de comunicação de massa, políticas e verifiquei que todas criam seus valores para serem respeitados pela sociedade e tentam preservá-los para que não saiam da memória popular e histórica do Brasil. 
Como então criar valores que também sejam não apenas nossos, mas reconhecidos e respeitados por todos na sociedade.  
Será que as instituições gostariam de ver seus valores questionados, vilipendiados, tratados com zombaria ou com desprezo total? 
Qual a reação da Igreja e da Sociedade ao ver Cristo desrespeitado em desfiles de escolas de samba ou manifestações LGBT? 
Qual a reação dos militares quando a figura do Barão de Caxias, não ainda Duque, resolveu a questão dos ‘Lanceiros Negros’ no Rio Grande do Sul a pedido da Princesa Izabel e isso é trazido em desfiles das escolas de samba. 
São reações de indignação, com manifestações claras sobre o desrespeito com vultos históricos. 
Outro dia vi um manifesto de repúdio pelo uso de uma frase nazista. As memórias de muitos judeus foram desrespeitadas, ofendidas grandemente em suas dignidades. 
Agora nos deparamos com um dos poucos valores dos afrodescendentes como eu, que é o dia 20 de novembro, dia de Zumbi dos Palmares, dia Nacional da Consciencia Negra, ser ridicularizado por um representante de governo. 
O Presidente da Fundação Palmares, criada no Governo Sarney, não é proprietário de nenhuma data comemorativa no Brasil. É bem capaz na sua arrogância, de querer acabar com o dia do soldado, 25 de agosto, só porque resolveu valorizar o dia 23 de outubro, o dia do aviador, esquecendo que um não inviabiliza o outro e as duas datas são importantes para os militares. 
Talvez já tenha discutido com o Senhor Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, a alteração do calendário comemorativo de muitas datas, como a troca do dia do Evangélico pela data da Semana Santa. São conversas interessantes a serem trazidas ao conhecimento público. 
Isso não engrandece nosso País, isso não leva o Brasil a nenhuma posição de destaque no cenário internacional,  isso envergonha seu povo. 
Sabemos que a existência da Fundação Cultural Palmares, agora diretamente vinculada à Secretaria do Turismo, cuja ministra é pastora evangélica, não poderia ser mais desmoralizada do que não existir.  
Seus fundadores devem estar pensando que a provocação tem a ver com o afetamento por Coronavirus Covid 19. Qual nada! A provocação é pura vingança pessoal. 
Queremos nesse momento, DECLARAR que no dia 20 de novembro, DIA DE ZUMBI DOS PALMARES e DIA NACIONAL DA CONSCIÊNCIA NEGRA, seja o dia em que todos os que respeitam essa data em nome da comunidade afro-brasileira utilizem em sua vestimenta lembrança das cores verde-e- amarela ou azul-e-branca para simbolizar que esse é um dia que Presidente Algum da República nos fará esquecer. 
Ainda que faltem recursos da Fundação Cultural Palmares para comemoração dessa data, ainda que o Presidente da República proíba quaisquer recursos do governo para festas de comemoração dessa data, ainda que desça algum anjo do céu para dizer que Cristo não quer essa comemoração, ainda que radicais de esquerda ou de direita venham criar comemorações paralelas de outras coisas no mesmo período, ainda que haja dor no peito pela falta de respeito, ainda que não possamos falar por rádio e televisão dos nossos valores, ainda que as igrejas proíbam pronunciar o nome dessa data, ainda que a justiça tardia, mas não para esses casos, se manifeste contra todos os brasileiros que têm essa consciência e, ainda que sejam criadas condições não naturais para que varra da memória minha e de todos os afro-brasileiros, ainda assim, se houver alguém, que me conheceu, que se lembre de mim,  que possa dizer que foi meu contemporâneo, que não deixe de dizer que eu, eu, exclusivamente eu tenho 
MEUS VALORES e o DIA NACIONAL DA CONSCIÊNCIA NEGRA, DIA 20 DE NOVEMBRO  jamais deixe de ser lembrado como o dia em que eu descobri que esse é o meu maior valor. Se alguém quer que seus valores sejam respeitados em minha casa, que respeitem primeiro os meus valores. 



*Ronald Siqueira Barbosa é professor e engenheiro eletrônico formado pela UnB

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