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Deu no Diário da Manhã: 70 anos do gênio


Por: Walter Brito

Um dos maiores artistas plásticos do Brasil em todos os tempos, o goiano Siron Franco completou 70 anos no dia 26 de julho. Tive o prazer de conhecê-lo e me tornar seu amigo em 1975, quando Siron ganhou o prêmio de melhor artista brasileiro, na décima terceira Bienal em São Paulo. Estreitamos a nossa amizade quando escrevia em um jornal na cidade de Goiânia no ano de 1976, oportunidade em que o entrevistei por diversas vezes. Naquele ano ele ganhou um prêmio e, por meio de uma bolsa, foi fazer curso e passar uma temporada na Europa. Reencontrei Siron quando eu morava no Rio de Janeiro, em 1979. 
Naquela ocasião o artista estava expondo a sua obra: Retratos Imaginários na famosa galeria Bonino, no requintado bairro da Gávea, no Rio de Janeiro. Fui lá fazer a cobertura para o caderno de cultura do jornal Tribuna da Imprensa do lendário jornalista Hélio Fernandes. Encontrei Siron alegre com o sucesso de suas telas e ao lado de personalidades como Agildo Ribeiro, Dina Sfat, Renato Pacote, Lucélia Santos, Ziraldo, Jaguar, entre outros.  Nas últimas décadas, sempre frequentei o seu atelier em Goiânia e também na sua chácara, em Aparecida de Goiânia. 
Estivemos juntos em um projeto na cidade de Porto Seguro - BA, quando o artista foi atender à solicitação do prefeito José Ubaldino Alves, em 1992. Siron fez o esboço de um monumento para aquela cidade histórica. Em 2006, quando lancei no Teatro Nacional, em Brasília, o livro Memórias de uma Família Negra Brasileira, o amigo Siron assinou a capa com uma de suas geniais criações. No mês de maio último, antes de o artista viajar para Roma-Itália com o objetivo de lançar uma nova coleção, eu estive em seu atelier, ao lado do nosso amigo comum, o futuro advogado Daniel Silva. A exposição do goiano genial ocorreu na embaixada do Brasil em Roma, no Palácio Pamphilj. A exposição Attenzione Fragile (Atenção Frágil). 


A mostra, que é inédita no planeta Terra, causou um grande frisson na Itália. Vale lembrar que quando Siron nos mostrou no chão de seu atelier mais uma das obras interessantes e criativas do artista goiano. Ele explicou que naquele espelho quebrado ele colocaria 59 esculturas em resina transparente. Siron também mostrou uma rede de malha, laminada em ouro, que segundo o artista representa a violência. A referida mostra retrata a fragilidade das relações humanas e também entre as nações: “Estamos num momento em que paradoxalmente tudo acontece cada vez mais de forma interconectada”, disse.           

Depois de apresentar seu novo trabalho, Siron falou sobre diverssos momentos de sua vida, entre os quais o encontro com Joan Miró. “Eu estava morando na Espanha, quando recebi um prêmio de viagem, momento em que fui à embaixada brasileira e encontrei uma revista muito bonita e que me impressionou, pois retratava a vida do famoso artista Miró, pelo qual eu tinha uma admiração enorme. Por uma grande coincidência, na antessala do embaixador, eu conheci um grande amigo do Miró. Naquele mesmo dia essa pessoa falou de mim para a celebridade internacional, o qual pediu que eu fosse ao seu atelier. Chegando lá ele foi muito gentil comigo e disse que tinha vontade de conhecer um artista plástico brasileiro, por ter sido amigo do poeta e diplomata brasileiro João Cabral de Melo Neto. Miró estava fazendo um tapete gigantesco e me deu atenção especial. Percebi sua preocupação aos quase 90 anos de idade, com a tela que ele faria seu trabalho. Dobrava e redobrava aquela tela para ver se teria efetivamente durabilidade. Achei aquilo fantástico, pois uma pessoa com quase 90 anos preocupada com o trabalho que ele deixaria para a posteridade, é amar muito o que faz. A minha admiração pelo artista aumentou 100%. Foram 40 minutos emocionantes com um artista da estirpe de Joan Miró”, lembrou.  Questionamos o artista sobre seus temas mais fortes e que lhe dão prazer de relembrar. Ele foi taxativo e argumentou: “Cada instalação, escultura ou pintura que faço tem suas peculiaridades e todas são importantes, mas agora me vem à mente a bandeira dos caixões”. Na oportunidade foram distribuídos 1020 caixões de crianças que Siron pintou de verde, amarelo, azul e branco, os quais visto de frente ao Congresso Nacional. “Outra instalação que lembro agora é a dos animais, simbolizada pelas Antas. Entendi que o gramado do Congresso Nacional em Brasília seria mais importante do que se estivéssemos fazendo uma instalação de protesto em uma grande Bienal. Fizemos instalações que repercutiram mundo afora de frente ao poder na capital brasileira. Vale ainda ressaltar que o Fernando Collor sempre foi meu amigo e gosto muito dele. Eu o conheci antes de ser presidente do Brasil. Entretanto, quando ele teve problemas em seu governo, eu não pensei duas vezes e instalei uma ratoeira gigante de frente ao Congresso Nacional, na qual o queijo foi substituído pelo mapa do Brasil. Collor entendeu que era a manifestação de um artista retratando o pensamento de uma nação. Por isso ele ficou quieto e aceitou a ratoeira com parcimônia”, disse. Sobre o seu dia a dia, Siron disse que acorda muito cedo em sua casa e vai direto para o atelier trabalhar: “Quando eu tinha filhos pequenos eu sempre fiz questão de levá-los para a escola, conversando muito. Fiz isso com todos os meus filhos e sempre achei importante aquele papo de pai e filho a caminho da escola, pois os dois aprendiam”, explicou. Sobre a rotina da criação, o setentão explicou com detalhes e exemplo: “Levei quinze anos para fazer um quadro. Iniciei o trabalho quando eu morava na Bahia em 2002 e terminei agora, às vésperas de meu aniversário, quando completarei 70 anos. Não significa que fiquei pintando o mesmo quadro esse tempo inteiro, contudo existem determinados detalhes numa pintura, que o artista demora a encontrar para fechar a sua obra. É como se você que é repórter tivesse escrevendo um artigo e não encontrasse a palavra adequada para um determinado parágrafo, ou um escritor, que começa a escrever um livro e o seu fechamento só ocorre cinco anos depois”, comparou o artista. Siron disse ainda que no seu processo criativo na pintura, ele não gosta de ficar repetindo a mesma linha durante muito tempo. “Aquilo que você muito repete é o que vai te matar. É preferível você entrar por outro caminho que ainda não conhece. O artista exemplifica para ficar mais claro: “No passado, quando criei aquele estilo das peles de onça, o sucesso foi enorme. Quando tudo estava no auge e asgalerias vendendo muito as minhas telas, eu parei de fazer e passei a pintar em outra direção”, explica. O jovem Stakeholder e futuro advogado Daniel Silva, amigo meu e do Siron, pediu que ele definisse a artes, e o goiano explicou. Eu não consigo definir a mim, como também não consigo definir formalmente a arte. Eu sou pedaços do que fui construindo. Como li muitos livros sobre as artes, eu me defino como uma colcha de retalhos agregando muitos pintores. A arte é universal e existiu em todas as sociedades, desde as mais remotas. Neste sentido, eu gostaria de relembrar o poeta Ferreira Gullar, que me disse um dia: ‘A arte existe porque a vida não basta’. Portanto, a arte está em todas as partes de nossas vidas: no cinema, no teatro, na música, nas artes plásticas, entre outras. Portanto, a arte é uma manifestação humana de milênios. Quando começo a pintar um quadro, eu sinto que estou realizando o que foi feito por meus ancestrais. Baseado nisso, eu criei o Monumento aos Povos Indígenas, quando encontrei no museu do homem, em Paris, peças indígenas que não mais existiam há séculos. Recriei essas peças e elas passaram a representar um passado bem distante”, arrematou. Apesar de Siron não ter sintonia nas artes plásticas com o artista Antônio Parreiras, ele disse que o paisagista o ajudou a lutar para viver da arte: “Trata-se de um pintor de paisagens do século XIX, filho de uma família abastada. Parreiras estava enjoado de assistir o pai comerciante falar o tempo todo sobre dinheiro”. Conta Siron que um grupo de pintores alugou uma casa ao lado da casa do garoto. O menino Parreiras subia no muro ao final das tardes e ouvia conversas dos pintores que pintavam paisagens. O menino concluiu que os pintores estavam interessados em avançar por exemplo na estética, no uso das cores certas para suas telas e também deixar em suas telas uma representação de Deus. Portanto, a arte tem muito valor e desde menino eu quis ser o que sou. Entretanto, todos falavam que se eu fosse pintor, certamente eu morreria de fome. Por isso, o livro de Antônio Parreiras me fortaleceu, embora ele não tenha me influenciado na questão formal”, concluiu Siron, que já estava atrasado para um compromisso fora de seu atelier. Percebe-se no bate-papo com Siron, que ele conseguiu unir o material com o espiritual, e do seu jeito. Do seu jeito ele chegou ao patamar que um artista plástico de sucesso pode almejar. O bacana é que ele expõe seus quadros e monta suas instalações no mundo inteiro e continua morando em Buriti Sereno, nas cercanias de Goiânia. É tradição um artista da estirpe de Siron residir no eixo São Paulo, Rio, Nova York e Paris. O goiano tem o seu principal atelier em Aparecida de Goiânia e outro no centro de Goiânia. Ele vive como um ser humano normal e frequenta lugares como o Café do Pereira, localizado no centro de Goiânia, onde bate papo e ouve coisas do povo. O artista completou 70 anos em plena criatividade e, como Miró, que ele encontrou no passado na Espanha aos 90 anos, que estava com todo o gás e preocupado com a durabilidade das telas em que ele imprimiria sua arte para a posterioridade. 




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